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O metalúrgico de S. Bernardo que ocupará o Palácio do Planalto pela terceira vez

Com Memorial da Democracia

O ano era 1979, parece longe, mas é logo ali. Um grupo de 200 mil trabalhadores das indústrias automotivas de São Bernardo (Volkswagen, Mercedes, Scania e Ford), além das fabricantes de autopeças, decidiram parar a produção e pedir reajuste salarial em plena ditadura militar. O que parecia ser apenas uma greve se tornou um grito pela liberdade, pelo fim da ditadura e foi um dos primeiros gritos mais forte pela Democracia.

Entre os líderes do movimento, estava Luiz Inácio da Silva, o Lula, que colocou São Bernardo no centro do Brasil. Todos viraram os olhos para a cidade que se transformara, por meses, cenário de guerra, com bombas e tiros. Eu, criança na época, vi, mas lembro da minha mãe, professora que precisava passar pela Igreja Matriz, um dos cenários da guerra, chegando correndo em casa com as bombas bem próximas. Aliás, eu morava em frente a uma casa que tinha um forno à lenha que décadas mais tarde foi revelado como um dos esconderijos dos trabalhadores que fugiam da repressão policial.

Lula e os metalúrgicos em greve tiveram o apoio da Igreja Católica. A Igreja Matriz foi, por várias vezes, o refúgio protegido de quem se escondia dos tiros e bombas.  Em 2005, o já presidente Lula, em discurso após a Missa do Trabalhador, em São Bernardo, lembrou o papel da igreja na redemocratização e na luta dos metalúrgicos.

Além da Igreja Matriz, o Paço de São Bernardo e o Estádio 1º de Maio, conhecido na época como Estádio Municipal da Vila Euclides,  foram palco de manifestações de Lula e dos trabalhadores. . A primeira assembleia dos grevistas foi no estádio, cedido pelo prefeito Tito Costa (MDB). Cerca de 60 mil trabalhadores foram para gramado e as arquibancadas. Sem palanque e sistema de som, Lula, falou de cima de uma mesa de escritório usando um megafone. Suas palavras eram repetidas em coro pelos trabalhadores mais próximos e repassadas pelos que estavam atrás.

No primeiro dia de greve, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) informou que não concederia nada além do reajuste de 44% negociado na véspera com a Federação dos Metalúrgicos de SP, controlada por pelegos. A pedido da Fiesp, o Tribunal Regional do Trabalho decidiu que o movimento era ilegal e determinou o retorno ao trabalho. No dia seguinte, os trabalhadores criaram o fundo de greve para receber doações e alimentos, preparando-se para uma paralisação prolongada.

Mais uma vez vou lembrar da minha mãe, que participou da ajuda aos metalúrgicos. Categorias de trabalhados doaram mantimentos para que os trabalhadores das indústrias pudesse se manter enquanto durasse a paralisação, pelo menos com comida.

Em nova assembleia na vila Euclides, eles mantiveram a greve. Nesta, o bispo de São Bernardo, dom Claudio Hummes, participou da assembleia e rezou o Pai Nosso em coro com os trabalhadores.

A repressão tornou-se feroz  quando milhares de policiais militares ocuparam as ruas do centro e dos bairros operários de São Bernardo. A PM levou a tropa de choque, a cavalaria e cães policiais para intimidar os operários. O então  ministro do Trabalho, Murilo Macedo, determinou intervenção federal nos três sindicatos de metalúrgicos do ABC. Lula e os diretores depostos do sindicato de São Bernardo passaram a se reunir na casa paroquial da igreja matriz de São Bernardo, cedida por dom Claudio.

Quatro dias depois da intervenção, Lula propôs à assembleia uma trégua de 45 dias, quando começariam a ser pagos os salários com o reajuste anual. Nesse dia, Lula pediu a confiança dos metalúrgicos e disse: “Que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta dos trabalhadores”. Ao longo da trégua, a direção destituída do sindicato continuou mobilizando a categoria em reuniões na matriz, nos bairros e nas portas de fábrica. No 1º de Maio, 150 mil pessoas participaram de um ato pelo Dia do Trabalhador no Estádio de Vila Euclides.

Ao final da trégua, em 13 de maio, nova assembleia na Vila Euclides aprovou a proposta dos patrões de um reajuste geral de 63%. A intervenção foi suspensa e a diretoria eleita reassumiu o sindicato em 18 de maio. Mesmo sem alcançar a reivindicação inicial de 78%, a greve de março consolidou a organização e a independência  do movimento.

 

Depois disso, Lula foi presença importante nos movimentos pelas Diretas-Já e da redemocratização. Em 2002, foi eleito pela primeira vez como presidente do Brasil e reeleito quatro anos mais tarde. Hoje, 01 de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva volta, pela terceira vez, a ocupar o Palácio do Planalto com presidente da República eleito democraticamente com 60.345.999, 50,90% dos votos, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a maior votação da história do país.

 

Fotos: Reprodução

 

 

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