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MARVEL’S SPIDER-MAN 2 | Quando o jogo certo é produzido pelas pessoas certas.

Por Vittorio Giuliano

(review livre de spoilers)

Em 2016 a Sony fez história na sua conferência na E3. Na ocasião, foram anunciados diversos jogos para a sua plataforma – na época, o Playstation 4 – que geraram muita empolgação e expectativa por parte do público. Dentre eles estavam Death Stranding, um jogo de Hideo Kojima; The Last Guardian e o retorno da franquia God of War. Porém, o anúncio de jogo que possivelmente mais tenha causado repercussão na época foi o de um novo game do Homem-Aranha, que estava sendo produzido pela Insomniac Games.

Embora o fato de o jogo ser um exclusivo de PS4 (até aquele momento) ter desanimado alguns, a grande maioria comemorou muito a notícia de ver o cabeça de teia de volta aos consoles e com uma nova empresa por trás. Isso porque a Activision, anterior detentora dos direitos do herói nos videogames, estava pecando bastante nos últimos lançamentos publicados do personagem, em especial em The Amazing Spider-Man (2012) e The Amazing Spider-Man 2 (2014) que foram desenvolvidos pela Beenox Studios. Os dois jogos foram lançados repletos de bugs, mas o pior não era isso, era visível que não havia nenhum interesse artístico por trás de ambos os projetos, apenas o de tentar vender o máximo de cópias aproveitando o hype dos filmes estrelados por Andrew Garfield. Com isso, os enredos, os gráficos, principalmente das expressões faciais, e até mesmo a ambientação dos jogos ficaram muito abaixo do esperado e não faziam justiça a uma das maiores propriedades intelectuais dos quadrinhos, o Homem-Aranha, que parecia estar caminhando para um futuro de jogos medíocres a serem lançados.

Porém, tudo isso mudou quando, em setembro de 2018, Marvel’s Spider-Man foi enfim lançado para o PlayStation 4. O game trazia um combate semelhante ao da aclamada franquia Batman Arkham adaptado às habilidades e ao estilo de luta do aracnídeo; uma nova e excelente mecânica para o web-swinging, o tradicional balançar de teias característico do personagem; uma Nova Iorque muito fiel e viva, e, acima de tudo, uma história memorável, que trouxe, para muitos fãs, a melhor versão do personagem fora dos quadrinhos em uma aventura madura, com vilões marcantes e complexos numa narrativa repleta de subtextos. Logo de cara, o jogo foi aclamado pela crítica especializada e pelos jogadores no geral, além de se tornar um dos jogos mais vendidos de todo o PS4. Era possível perceber que havia algo especial na relação da Insomniac, desenvolvedora do jogo, com o personagem, uma vez que grande parte dos funcionários que trabalharam no projeto eram fãs de longa data do amigão da vizinhança. Com todo esse sucesso, o jogo ainda recebeu um stand-alone intitulado Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, focado totalmente no personagem que dá nome ao jogo, que também foi muito bem recebido. Ficava cada vez mais evidente que era apenas uma questão de tempo até uma continuação da franquia chegar. E ela chegou.

Marvel’s Spider-Man 2 (2023) traz tudo o que uma boa sequência deve trazer. Evoluções gráficas, expansão de universo (tanto narrativamente quanto fisicamente, com um mundo aberto que praticamente dobrou de tamanho em comparação ao primeiro jogo), evoluções na jogabilidade e uma história mais uma vez muito bem pensada e contada. Na trama Miles Morales, que recentemente se tornou Homem-Aranha, deve conciliar a sua vida de super-herói com os seus afazeres do colégio, como escrever sua carta de inscrição para a faculdade. Enquanto isso, Peter Parker, já com 25 anos, enfrenta os desafios da vida adulta, como manter um emprego e o seu relacionamento com Mary Jane, lidar com a questão da hipoteca da casa de sua tia May, além de seus deveres como herói de proteger Nova Iorque. O conflito se inicia quando novos vilões ameaçam a paz na cidade e os dois aracnídeos são constantemente colocados à prova.

Para começar, é necessário falar daquilo que é a alma de qualquer videogame: a sua gameplay. O jogo traz de volta as mecânicas muito bem aceitas pela comunidade já introduzidas no primeiro. Além disso, traz ótimas novidades, como as web-wings, asas de teia que ficam nas axilas dos personagens e são utilizadas para planar na cidade, o que torna a locomoção mais rápida e a facilita em áreas onde os típicos arranha-céus de Nova Iorque não estão presentes, como no Queens e no Brooklyn, regiões novas adicionadas para este segundo jogo; os novos golpes especiais que podem ser ativados com facilidade e tornam o combate mais dinâmico; além de uma nova mecânica de super ataques especiais que, quando utilizados na hora correta, ajudam a desequilibrar uma batalha em favor do jogador. No geral, a jogabilidade de Marvel’s Spider-Man 2 pega tudo aquilo que funcionou no primeiro jogo e adiciona mais elementos que a melhoram ainda mais e tornam a imersão de ser o Homem-Aranha mais crível e divertida. Vale destacar também que Peter e Miles possuem estilos de luta e habilidade diferentes que são evidenciadas ainda mais pela gameplay. Assim, o jogador consegue facilmente sentir as diferenças entre os dois personagens, o que é ótimo.

Porém, aquilo que mais gerou expectativa em todos os fãs era o enredo. Afinal, quando o primeiro teaser foi lançado ainda em 2021, de cara dava para perceber quais eram as intenções da Insomniac para essa segunda aventura: adaptar para os videogames o arco do simbionte. Essa história já foi visitada diversas vezes nas mais variadas mídias. Além dos quadrinhos, houveram séries animadas, filmes, e até mesmo outros jogos que se dispuseram a contá-la. Muitas dessas tiveram sucesso e criaram no imaginário dos fãs o que uma história perfeita sobre esse arco deve ter. E pode-se dizer que a Insomniac conseguiu captar bem esse imaginário para criar a sua própria versão.

A narrativa está longe de ser uma daquelas imprevisíveis, que deixa o jogador na ponta da cadeira e se questionando o que virá. Pelo contrário, ela segue um caminho totalmente esperado, o que tira um pouco do seu impacto principalmente quando posto em comparação à campanha do primeiro jogo. Porém, o foco não está em surpreender os fãs com suas decisões narrativas, mas sim em mostrar as consequências que cada acontecimento da história causa nos personagens da trama e em suas relações. Por exemplo, foi revelado previamente nos trailers e em vários outros materiais de divulgação que, em determinado momento da campanha, Peter tem contato com a roupa simbionte, um beat essencial para o enredo. Porém, o que realmente causa impacto em quem acompanha a história é ver como o traje vai aos poucos mudando o comportamento do protagonista, deixando-o, mais frio, violento, o que é ainda mais evidenciado pela jogabilidade que se altera de forma perceptível para refletir esses aspectos, tornando-o muito mais forte do que ele era no início. Do mesmo modo, as cinemáticas do jogo e os diálogos que ocorrem ao longo da gameplay vão mostrando tudo isso.

Ainda falando sobre a campanha, outro ponto muito alto dela são os seus antagonistas, principalmente Kraven e Venom. Kraven é um excepcional e implacável caçador que está em busca de um oponente que esteja à sua altura, algúem que seja capaz de derrotá-lo e até mesmo matá-lo. Esse seu desejo mórbido tem seus motivos explicados com o decorrer da trama. Por grande parte da narrativa, ele é o principal vilão e consegue cumprir essa responsabilidade com maestria. Kraven é imponente, esperto, habilidoso, e, acima de tudo, muito ameaçador. Em todos os seus momentos em cena, fica evidente o perigo que ele representa. Já Venom, que assume o posto de vilão principal mais para o encerramento do jogo, era o antagonista mais esperado por grande parte dos jogadores. Ele também é tão ameaçador quanto Kraven, mas, principalmente, Venom traz uma conexão ainda maior com os protagonistas, o que torna as decisões finais da narrativa ainda mais complicadas para os Homens-Aranhas.

Além de falar sobre os vilões, vale mencionar também os coadjuvantes. Todos eles são muito carismáticos e ajudam a história a avançar, seja com cenas cinemáticas ou até mesmo nas ligações que os heróis recebem durante a gameplay. Rio Morales, Ganke, Hailey, Curt Connors e Normam Osborn são bons exemplos que se destacam. Porém, sem dúvidas, a personagem que mais se sobressai deste grupo é Mary Jane Watson. Muito além de um interesse amoroso para o protagonista, MJ (seu apelido) possui um arco próprio durante todo o jogo e cresce muito ao decorrer da narrativa. Em alguns momentos, o jogador tem a oportunidade de controlá-la, assim como no primeiro título, porém, sua jogabilidade se tornou muito mais interessante do que antes, pois agora ela possui mais recursos, como uma esquiva mais rápida, a oportunidade de correr na direção de um inimigo para neutralizá-lo e uma reformulação na sua arma de mão que começa apenas dando choques nos inimigos (como acontecia no primeiro) mas que vai melhorando cada vez mais com o decorrer da história. Tais novidades enriquecem ainda mais sua gameplay, que lembra até mesmo um pouco do de Ellie em The Last of Us II.

No geral, Marvel’s Spider-Man 2 é um prato cheio para qualquer fã e simpatizante do super-herói. Como dito antes, tudo aquilo que funcionou no primeiro jogo retorna para este com melhorias, trazendo a evolução que toda continuação precisa ter. Tudo isso arma o palco de uma história muito bem amarrada com personagens cativantes e que certamente alegrará à maioria dos fãs, contando, ainda, com várias missões secundárias espalhadas pelo vasto mundo aberto, com a participação especial de diversos outros antagonistas da mitologia do aracnídeo que promete surpreender, e muito, aos jogadores.

Marvel’s Spider-Man 2 é o exemplo perfeito de um produto de qualidade de uma empresa que trabalha respeitando a propriedade intelectual que tem em suas mãos, algo que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais raro no nicho de jogos de super-heróis, como visto nos recentes Marvel’s Avengers, da Square Enix, e Gotham Knights, da WB Games. Ambos frustraram expectativas tanto nos aspectos técnicos quanto em sua história, decepcionando muito os fãs. Se tem algo que deve ser elogiado na Insomniac, é a sua forma de desenvolver jogos pensando sempre em agradar os entusiastas dos personagens, neste caso o Homem-Aranha, e apesar de alguns deslizes –, que acontecem em todo e qualquer jogo de videogame, não seria diferente aqui -, seus jogos conseguem se sobressair e trazer experiências que vão marcar os fãs para sempre.

Marvel’s Spider-Man 2 mantém o alto padrão de qualidade estabelecido em toda a franquia e só aumenta as expectativas para a próxima aventura dos teiosos, que, sem dúvidas, deve vir em muito em breve.

 

Foto: Reprodução

 

 

 

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