Justa causa por homofobia: especialista explica critérios legais e aponta tendência de endurecimento da jurisprudência trabalhista
A Justiça do Trabalho tem endurecido seu posicionamento diante de condutas homofóbicas praticadas no ambiente corporativo. Segundo o advogado Sérgio Pelcerman, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Almeida Prado e Hoffmann Advogados, tais atitudes são cada vez mais reconhecidas como faltas graves, incompatíveis com os princípios constitucionais da dignidade, igualdade e respeito.
“A justa causa por homofobia exige que a conduta seja suficientemente lesiva à confiança e à boa-fé objetiva, princípios que regem o contrato de trabalho”, explica Pelcerman. “Manifestações que ofendam a dignidade, identidade ou orientação sexual de colegas — mesmo fora do ambiente físico da empresa — podem configurar ‘mau procedimento’ ou ‘ato lesivo à honra’, conforme os incisos ‘b’ e ‘k’ do artigo 482 da CLT.”
Entre os casos recentes julgados pela Justiça do Trabalho, destaca-se a dispensa de um funcionário após comentários homofóbicos a uma cliente durante o atendimento (TRT-2, proc. 1000870-04.2024.5.02.0714). Em outra decisão, a perita judicial concluiu que as palavras homofóbicas contidas no avental do colega de trabalho foram escritas pelo reclamante, o que foi comprovado por perícia grafotécnica (TRT-2, proc. 1002361-44.2022.5.02.0511). Há ainda julgados que validam a justa causa com base em mensagens de WhatsApp e condutas ocorridas fora da jornada, mas vinculadas ao ambiente profissional.
Pelcerman destaca que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que equiparou a homofobia ao crime de racismo em 2019 alterou significativamente a jurisprudência. “Os tribunais passaram a tratar a LGBTfobia como violação de direitos fundamentais, aplicando sanções mais severas, inclusive por danos morais e responsabilidade objetiva da empresa omissa.”
Outro marco relevante, segundo o especialista, foi a internalização da Convenção Interamericana Contra o Racismo, promulgada no Brasil com status constitucional em 2022. “Ela eleva o padrão de proteção jurídica e exige das empresas medidas concretas para prevenir e punir práticas discriminatórias.”
Entre as medidas recomendadas às empresas para mitigar riscos e evitar responsabilizações, Pelcerman aponta:
Implementação de código de conduta ética com cláusulas claras sobre preconceito e assédio;
Criação de canais internos de denúncia, sigilosos e acessíveis;
Formação de comissões de diversidade e ações de capacitação contínua;
Instauração de sindicâncias imparciais, com documentação cronológica e respeito ao contraditório.
“Na jurisprudência atual, empresas que demonstram ter adotado medidas preventivas e diligentes conseguem atenuar ou até afastar a responsabilidade por atos praticados por seus empregados. O oposto também é verdadeiro: a omissão pode gerar condenações pesadas, inclusive por danos morais coletivos”, afirma.
A responsabilização por homofobia pode ser tripla: trabalhista, civil e penal. Além da justa causa, o agressor pode responder por danos morais com base no Código Civil e até criminalmente, nos termos da Lei nº 7.716/89, com penas que podem chegar a cinco anos de reclusão.
Por fim, Pelcerman ressalta que comissões internas, sindicatos e grupos de escuta têm papel relevante na prevenção e apuração desses casos. “Sindicâncias internas bem conduzidas e amparadas por documentos são reconhecidas como prova robusta. O envolvimento ativo dessas instâncias reforça o compromisso institucional com o combate à discriminação.”