Escola do ABC muda horários para garantir mais qualidade vida a estudantes adolescentes

Entre inúmeras consequências, a covid-19 gerou muita discussão na sociedade. Um dos temas colocados em questão foi: até que ponto devemos confiar na Ciência? Às vésperas da introdução do Novo Ensino Médio no Brasil, algumas instituições da área de educação não têm dúvidas quanto à importância dos estudos científicos.

Em Santo André, o Colégio Stocco, uma das escolas mais tradicionais do ABC, apoiou-se no trabalho de pesquisadores para tomar uma decisão que visa dar aos estudantes adolescentes mais qualidade de vida e, por consequência, ganho de rendimento escolar.

Em 31 de janeiro de 2022, início das aulas do Novo Ensino Médio no colégio, os estudantes do Stocco entrarão para as aulas às 8 horas; e não mais às 7h15. Outra novidade é a redução no volume do período integral: de cinco para dois por semana.

“Sem qualquer prejuízo à carga horária e às regras estabelecidas pelo MEC, vamos dar mais tempo aos estudantes para que possam extrair melhor os benefícios do sono e se dedicar, também, a seus afazeres pessoais e ao exercício da autonomia, estimulando-os a se organizar para dar conta de seus interesses pessoais conjugados a suas responsabilidades acadêmicas, entre eles, os compromissos escolares”, explica Jozimeire Stocco, pós-doutorada em Educação e diretora geral do Colégio Stocco.

 

O que dizem os estudos

A influência da qualidade de sono sobre o aprendizado escolar produz discussões há mais de duas décadas. No entanto, pouco se avançou nessa questão. Tanto que em 2017 a Associação Brasileira do Sono publicou um manifesto sugerindo que o início das aulas para os estudantes do 7º ao 9º ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio (adolescentes entre 13 e 17 anos) ocorresse preferencialmente a partir das 8h30min. Segundo a entidade, isso é necessário “para garantir um mínimo de quantidade e qualidade de sono e um bom processo de aprendizagem”.

Diversos trabalhos, de fato, apontam nessa direção. No artigo Avaliação do padrão de sono, atividade física e funções cognitivas em adolescentes escolares, os pesquisadores Rita Boscolo, Isabel Sacco, Hanna Antunes, Marco Túlio de Mello e Sergio Tufik, ligados à USP (Universidade de São Paulo) e à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa Científica), investigaram os parâmetros relacionados à qualidade de sono, nível de atividade física habitual e função cognitiva de adolescentes.

A hipótese da pesquisa era que adolescentes que estudavam no período da tarde apresentariam rendimento escolar superior àqueles que estudavam pela manhã. “Tínhamos essa suspeita baseados em trabalhos anteriores e em pesquisas semelhantes, mas com grupos de pessoas com perfis diferentes”, explica a mestre em Ciências Rita Boscolo.

Para confirmar a hipótese, investigou-se a rotina de estudantes de escolas públicas e privadas de Santo André, com idade entre 12 e 14 anos. Os resultados mostraram evidências de que a memorização e o raciocínio lógico dos estudantes são comprometidos quando o período de sono é menor do que o necessário ou quando o descanso acontece de forma precária.

De acordo com a pesquisa, 53,3% dos estudantes envolvidos gostariam de mudar o seu hábito de sono, sendo que 51,1% disseram acordar ansiosos após terem pesadelo, enquanto 22,2% relataram acordar em pânico.

Outro estudo, intitulado Fatores que influenciam na sonolência excessiva diurna em adolescentes, avaliou 531 alunos de escolas públicas e privadas da capital paulista, com idade entre 10 e 18 anos.

De autoria dos pesquisadores Thiago de Souza Vilela, Lia Rita Azeredo Bittencourt, Sergio Tufik e Gustavo Antonio Moreira, e publicado no Jornal de Pediatria, da Sociedade Brasileira de Pediatria, o trabalho mostrou que o déficit de sono é uma realidade entre os estudantes. Acrescenta que 39% dos adolescentes apresentaram um débito de sono maior do que duas horas, estando sujeitos a inúmeras complicações decorrentes da privação de sono.

“O déficit está associado a diversos fatores, entre eles, o biológico, que transforma o adolescente em um ser vespertino, e comportamental, afetado pelo consumo excessivo de dispositivos eletrônicos. A luz emitida pelas telas dos monitores modifica os padrões de liberação do hormônio melatonina, responsável por alertar ao corpo que está na hora de dormir”, explica o pediatra e pesquisador Gustavo Moreira, doutor em Ciências e membro do corpo clínico do Instituto do Sono.

 

Rotina mantém sono regulado e de qualidade

De acordo com estudos, o ciclo vigília-sono é um ritmo circadiano, ou seja, ajustado em  24 horas, que é regulado com fatores ambientais. Muitos acontecimentos podem influenciar essa regulação, como a alternância do dia-noite (claro-escuro), o uso de dispositivos com luz no período noturno, os horários escolares, de lazer e as atividades familiares. Essa sincronização ambiental é gerada e regulada endogenamente por estruturas neurais e hormonais.

Em condições normais, todos nós precisamos de uma regularidade no padrão do ciclo vigília-sono. O cotidiano e a rotina são fundamentais para manter um sono regulado e de qualidade. “Os estudantes, quando chegam na idade da puberdade, tendem a conflitar com essa necessidade na medida em que dormem mais tarde do que o recomendado e precisam acordar mais cedo por causa da escola”, observa o pediatra Gustavo Moreira.

Estudos apontam para uma interação entre o sono, o comportamento emocional, a ansiedade e o bem-estar físico. Pode ocorrer a perda no engajamento de atividades diárias, falta de energia, flutuações de humor (irritabilidade, tensão, confusão e ansiedade) e redução no desempenho em tarefas que exigem atenção e concentração, como as escolares.

“Para conquistar a atenção do adolescente e o consequente aumento do desempenho escolar, é preciso superar desafios pontuais como essa questão da qualidade de vida. Mas, independentemente de um ou mais aspectos, a grande contribuição da escola passa pelo compromisso de desenvolver uma educação integral, que ajude a cuidar do corpo e da mente de nossos estudantes. Por isso nossa decisão de postergar a entrada dos estudantes do ensino médio para às 8 horas”, afirma a diretora Jozimeire Stocco.

 

Artigos:

Avaliação do padrão de sono, atividade física e funções cognitivas em adolescentes escolares. Disponível em Revista Portuguesa de Ciências do Desporto 7(1):18-25. DOI:10.5628/rpcd.07.01.18.

Fatores que influenciam na sonolência excessiva diurna em adolescentes.

Disponível em https://doi.org/10.1016/j.jpedp.2015.12.004.

 

Foto: Divulgação

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